terça-feira, julho 04, 2006

"Pergunto-me porque não torna Pontevin públicas ideias tão interessantes. Apesar de tudo, não tem muito que fazer, esse historiador doutorado que se aborrece no seu gabinete da Biblioteca Nacional. Estar-se-á nas tintas para dar a conhecer as suas teorias? É dizer pouco: isso horroriza-o. Quem torna públicas as suas ideias arrisca-se, com efeito, a convencer os outros da verdade delas, a infuenciá-los, e a achar-se assim no papel daqueles que aspiram transformar o mundo. Transformar o mundo! Que intenção montruosa, para Pontevin! Não que o mundo tal como é seja dino de uma admiração por aí além, mas porque toda a transformação conduz inelutavelmente para pior. E porque, de um ponto de vista mais egoísta, toda e qualquer ideia tornada pública se voltará mais tarde ou mais cedo contra o seu autor e lhe confiscará o prazer que ele sentiu por tê-la pensado. Porque Pontevin é um dos grandes discípulos de Epicuro: inventa e desenvolve as susas ideias apenas porque isso lhe dá prazer. Não despreza a humanidade que é para ele uma inesgotável fonte de reflexões alegremente maliciosas, mas não experimenta a menor vontade de entrar num contacto demasiado estreito com ela."

Excerto retirado do livro "A Lentidão" de Milan Kundera.